André Luiz de Matos, especialista brasileiro destaca desafios, indicadores e caminhos estratégicos para o acompanhamento das políticas públicas dirigidas às crianças dos 0 aos 6 anos
O Tribunal de Contas da República de Angola deu continuidade, nesta Quarta-feira, ao seu ciclo de formação sobre a implementação e fiscalização das políticas públicas para a Primeira Infância, iniciativa enquadrada no acordo assinado em Abril de 2024 com quatro departamentos ministeriais do Executivo, visando reforçar o acompanhamento técnico, pedagógico e institucional deste domínio estratégico para o desenvolvimento nacional.
No âmbito desta acção formativa, o Tribunal recebeu o Dr. André Luiz de Matos Gonçalves, jurista, académico e Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins – Brasil, reconhecido internacionalmente pela sua produção científica em políticas públicas, primeira infância, avaliação governamental e desenvolvimento humano.
“O maior desafio é a ausência de políticas públicas estruturadas nas peças orçamentárias”
Questionado sobre os principais obstáculos que os Tribunais de Contas enfrentam na fiscalização das políticas de primeira infância, o Conselheiro André de Matos foi claro:
“O grande desafio é que as políticas da primeira infância ainda não aparecem de forma estruturada nas peças orçamentárias. Como são políticas multifacetadas – envolvendo saúde, educação, assistência e segurança – a fiscalização torna-se tão complexa quanto a execução.”
Segundo explicou, muitas acções governamentais dirigidas à criança dos 0 aos 6 anos não se encontram devidamente desenhadas, previstas, nem acompanhadas no orçamento, o que compromete a eficácia dos mecanismos de controlo.
Indicadores essenciais: creches, nutrição, cobertura vacinal, partos normais e desenvolvimento físico
Sobre os parâmetros de avaliação, o académico identificou como indicadores-chave que permitem medir o impacto real das políticas de primeira infância, o número de vagas em creches e crianças matriculadas; cobertura vacinal completa; percentagem de partos normais; estado nutricional: peso e estatura da criança e a segurança e cuidados integrais durante todo o dia
Segundo afirmou, quando a criança recebe cuidados integrados – educação, alimentação e protecção no mesmo espaço – os resultados são extraordinários. “Estes indicadores são fundamentais para o trabalho dos Tribunais de Contas”, disse.
O Conselheiro sublinhou a importância de uma abordagem transversal, considerando que não é possível fiscalizar a primeira infância olhando apenas para a saúde ou apenas para a educação. “A fiscalização deve ser integral, porque a política pública é integral.”
Defendeu igualmente a criação ou reforço de comités intersectoriais como mecanismo estruturante de coordenação entre ministérios, governos provinciais e administrações municipais.
Cooperação com o Executivo: “o Tribunal deve ser parte da solução, não parte do problema”
Sobre a relação com o Executivo, foi enfático ao considerar que, quando o Tribunal actua de forma pedagógica, demonstra que não pretende ser uma pedra no sapato do Executivo. “O que se faz aqui é preparar, motivar e apoiar para que as políticas públicas sejam executadas com qualidade. Não é um viés punitivo; é um viés pedagógico.”
A formação que está a ser ministrada em Angola tem exactamente esse propósito: fortalecer capacidades internas, qualificar magistrados e gestores públicos, e promover uma cultura de colaboração institucional.
Objectivos de Desenvolvimento Sustentável: uma política, múltiplos resultados
A política pública da primeira infância abrange simultaneamente vários Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS):
- ODS 1 – Erradicação da Pobreza
- ODS 2 – Fome Zero e Nutrição
- ODS 3 – Saúde e Bem-Estar
- ODS 4 – Educação de Qualidade
- ODS 5 – Igualdade de Género
- ODS 16 – Instituições Eficazes e Transparência
“A primeira infância é uma política pública que, pela sua natureza multifacetada, é também uma política de laboratório: treina equipas para lidar com outras políticas menos complexas”, disse.
Investir na criança dos 0 aos 6 anos transforma o país
O Conselheiro André de Matos reforçou a dimensão estratégica da primeira infância:
“Os investimentos feitos em crianças de 0 a 6 anos transformam a realidade de um país. Aumentam a qualificação, a produtividade futura, a renda das famílias e rompem ciclos intergeracionais de pobreza.”
Sobre Angola, acrescentou:
“Um país que em 50 anos alcança este nível civilizatório demonstra um caminho sólido. A legislação angolana é muito bem desenhada. Com as medidas práticas que estão a ser tomadas, os resultados certamente virão.”
Competências emocionais dos actores públicos: “não existe solução fora da educação”
Em resposta à questão sobre competências humanas necessárias para trabalhar com primeira infância, afirmou:
“Quando se compreende a importância desta fase da vida, o senso de responsabilidade é imediato. É pensar no futuro do país. E a educação tem de estar no topo das prioridades.”
O Tribunal de Contas está prestes a completar um ano desde que assumiu formalmente o compromisso de acompanhar as políticas públicas para a primeira infância, em cooperação com os ministérios das Fianças, Educação, Saúde e Acção Social, Família e Promoção da Mulher. Segundo o especialista, os passos dados são fortes e promissores.
Texto: Alexandre Cose
Foto: Emanuela Narciso